sábado, 3 de fevereiro de 2007

Um conto escutista...

O chiar dos travões do velho autocarro da carris fez acordar o rapaz dos seus pensamentos. Chovia diluvialmente e o rapaz entrou molhado. “Bom dia” disse sorrindo para o motorista que via todos os dias. Via-o como mais uma vida passageira, mais um figurante do seu percurso, do trilho sinuoso da sua jovem vida. O homem, de meia idade, menos meia no que diz respeito ao acumular de stress e cansaço rotineiro, sorriu-lhe meio admirado, dizendo “Muito obrigado jovem”. Será que ningém cumprimentava aquele calado senhor? Não, nos nossos dias já ninguém liga a ninguém, observamos os outros como olhamos para as coisas. Nem o vizinho de cima sabemos quem é... Para quê? Não interessa! Interessa-nos sim é este culto egocêntrico do final de milénio. Até o mais simples “bom dia” se tornou banal, vulgar, causal. Mas o senhor sentiu o calor do cumprimentar da manha.
Pensando nisto e lendo o jornal do passageiro da frente (mais uma desgraça para o seu querido glorioso), o rapaz sentou-se.
Lá fora chovia cada vez mais e o rosto das pessoas afigurava-se como o céu: cinzento e nublado. O rapaz lembrou-se então de uma noite de alegria em que acampou e perguntou pela razão desta gente toda não ter a sorte e a graça de Deus de ter vivido a vida que vivia. Se o tivessem feito, triste e cansado seria somente o inverno...
Sem dar por isso começou a cantar aquela música que se calhar vocês sabem: a da vaca leiteira. Num instante todos os olhares fitavam o rapaz, uns perguntando se era louco, outros rindo-se, outros gozando, mas curiosamente nenhum o mandou calar. Passado uns dois minutos, naquela improvisada plateia, já um velhote assobiava a musica , uma criança fazia os gestos e o motorista cantava num vozeirão “Dalim dalão, dalim dalão”.
Afinal, aquele autocarro inútil, passageiro, que todos os dia ia para o mesmo sitio, era o autocarro da alegria. Naquele inverno, aquele inferno dos transportes públicos tinha-se transformado no céu. Os problemas tinham sido esquecidos com aquela música que parece meio ridícula. A cantiga afinal é uma arma pensou o rapaz. Esvaziando os bolsos, (já meio rotos devido ao canivete) de toda a papelada que diariamente encontrava no chão o rapaz levou à mão um bloco... Do lado de trás uma mulher forte disse “se é para rifas não tenho trocado...” O rapaz sorriu e escrevinhou a letra da musica da vaca e ofereceu-a ao motorista fazendo-o prometer que todos os dias, naquela mesma hora cantaria aquela música. O homem, abanou a cabeça afirmativamente num gesto de felicidade. O rapaz, como uma criança de 5 anos saltou do autocarro dizendo “é bom saber que em cada sorriso que espalho, planto uma esperança”.
O autocarro partiu, o motorista sorriu. O rapaz voltou para casa a cantarolar. O rapaz ficou conhecido pela musica da vaca leiteira. O rapaz dai em diante animava o autocarro. Sem o rapaz aquela hora e talvez aquele dia não tinham significado algum. Com o rapaz, não havia lugar para os problemas mesquinhos desta vida passageira. E o rapaz sentia que estava a ser útil.
Ah, é verdade, o rapaz era escuteiro....

JoeWhite,
Agrup. 900 Monte Abrãao

1 comentário:

Silvia disse...

gostei!! =P

uma grande canhota!!

=D